Existe algo mágico nas histórias que contamos, sejam elas reais ou imaginárias. As histórias são capazes de nos despertar da normose — ou seja, daquele sentimento de acomodação com as coisas, do “sempre foi assim” —, e abrir nossos olhos para a jornada que temos de fazer com a única e irrepetível vida que nos foi dada.
A primeira vez que me senti, enquanto leitor, realmente envolvido em uma aventura foi lendo As crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. Desde então, acompanhei muitas jornadas, conheci muitos mundos, fui cativado (e também desiludido), incontáveis vezes.
Quando viajo de carro, a imagem da estrada desperta em mim fascinação. Sentir o vento soprar no rosto — com a promessa de renovação que somente uma boa viagem consegue trazer —, simplesmente não tem preço. Aristóteles estaria certo quando propôs que toda coisa possuísse uma causa final? Ou, como defendia Carl Jung, essa atração pelo sentimento de aventura na estrada teria origem na influência que os arquétipos exercem sobre nós?
Seja como for, a ideia de pegar a estrada e viver uma aventura é muito humana. Um animal, se tiver alimento, sexo e abrigo, não buscará aventura nenhuma, a sobrevivência é mais que suficiente para ele. O ser humano, bicho estranho, busca sempre algo mais: o chamado para a aventura que cada um deve escrever com sua própria vida parece estar escrito no coração de cada homem.
A despeito disso, vivemos em um tempo aparentemente pobre de aventuras. Ao olhar de relance, podemos sentir que todas as coisas já foram descobertas, todas as viagens que valeriam a pena já foram feitas. Buscamos por algo a mais no mundo, e o mundo nos responde, como no Eclesiastes: “Vaidade, tudo é vaidade.”
Não parece ter restado nenhum sentido para o homem comum no mundo, além de resignar-se e viver seus dias batendo o ponto e pagando seus boletos como um bom cidadão. Porém, ao avaliar a situação criticamente, é possível perceber que as aventuras ainda existem, o que mudou foi o critério de valor do nosso tempo. Vivemos o que o filósofo alemão Byung-Chul Han chamou de “crise da narrativa”. Do grego, krísis, significa decidir, separar. Em relação ao quê nossas narrativas estão em crise? E por que essa crise nos faz perder de vista a possibilidade de viver algo realmente significativo?
Antes de tudo, é preciso compreender que em nossos dias, como Byung-Chul Han explora em obras como “Sociedade do Cansaço” e “Infocracia: Digitalização e a crise da democracia”, cada homem é seu próprio carrasco. O critério ético de uma ação passou a ser o alto desempenho ao invés do bem. Separamos o que merece ou não ser contado em vista do retorno. A magia da narrativa dá lugar ao pragmatismo. As pessoas passam a ir a certos lugares (“instagramáveis”), planejando o post que pretendem fazer, antecipando curtidas e comentários, ancorando-se na falsa e narcísica sensação de relevância que as redes proporcionam ao indivíduo.
Alienados pelo brilho da tela dos nossos smartphones que servem para tudo, menos para responder aos mais profundos anseios da alma humana, passamos a replicar vidas banais.
Em um mundo assim, não é de se estranhar que tudo possa parecer tão desprovido de sentido. Mais do que nunca, a busca por narrativas genuínas torna-se necessária. Quando se está diante de um abismo, a melhor coisa a se fazer é não cair nele, a segunda melhor, dar meia volta e seguir por outro caminho. É preciso recuperar a capacidade de encantar-se, de viver suas próprias histórias e contá-las a quem tiver ouvidos para ouvir — nem que seja para si mesmo —, como um silencioso ato de resistência.

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