Nos últimos anos, a leitura para mim se tornou algo tão natural quanto tomar água ou respirar. É raro o dia em que não leia pelo menos meia dúzia de páginas. Seja pela faculdade ou o trabalho, a leitura e o estudo são inegociáveis em minha vida, e posso dizer, sem medo de errar, que devo tudo o que conquistei a educação.
Educar-se é um dos processos mais interessantes de se acompanhar. De certa forma, é um tipo de aposta no potencial humano. O que garante que alguém aprendeu algo? As conexões neuronais que foram feitas pelo aprendiz? Ou seriam sua capacidade de executar alguma tarefa? Há ainda quem pense que erudição, conhecimento de livros e autores, significam ser uma pessoa educada.
Em diferentes partes do mundo e épocas da história, pensou-se a educação a partir dos seus próprios referenciais. A despeito disso, penso que a educação está associada a uma vida coerente com o que compreendemos como realidade. Utilizando-se conhecida alegoria da caverna de Platão, ser educado é não confundir as sombras das coisas (aparência) com a realidade (ser). Trata-se de fixar referenciais úteis ao progresso da humanidade, de tal forma que o esclarecimento de um homem não tem um valor meramente privado. Quando uma pessoa se educa verdadeiramente, não é somente ela que melhora, mas a humanidade inteira — assim como o contrário também é válido. Afinal, quem se educa, aprende a viver melhor e homem algum é uma ilha. Pode ser difícil enxergar, mas pequenas ações acumuladas sempre impacto o todo.
Como fica evidente, uma pessoa não se torna melhor do que era lendo 50 livros ao ano, decorando conceitos ou dominando técnicas de aprendizados. A verdadeira educação exige um trabalho espiritual. Quando tomamos um livro em mãos, não seguramos somente um amontoado de palavras com seus significados, mas, se for um bom livro, teremos contato com o que de melhor uma pessoa aprendeu em seu tempo. O que faremos com isso? Compreender enciclopedicamente sem que repensemos um único aspecto em nossa existência? Se formos agir assim, penso que seria melhor não ler absolutamente nada.
Cada livro deve ser uma pequena conversão. Ao ler as meditações de Marco Aurélio, a Ética de Bento Spinoza ou Assim falou Zaratustra de Nietzsche, não posso fechar o livro e seguir o curso normal da minha vida como se nada houvesse acontecido. Há ali, uma magia, uma transmissão direta e visceral de experiência interna acumulada que deve nos esclarecer e elevar a forma da nossa vida. Do contrário, seria simplesmente decifrar significados, um depois do outro, sem penetrar o sentido da obra.
Com isso, não afirmo que devamos confiar cegamente nas obras que lemos devido a sua ancestralidade ou selo de “clássico”. É o contrário! Um grande autor não está interessado em arrebanhar fiéis, mas elevar a qualidade do pensamento de seus leitores, instigá-los a utilizar suas faculdades mais elevadas para ver a vida de outra perspectiva, uma mais rica, mais interessante. Em outras palavras, tornar-se esclarecido, no sentido que Immanuel Kant (1724–1804) defendia: “O esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”.
De que me serviriam tantos anos de leitura e estudo se não obtivesse um esclarecimento na vida? No fim do dia, se educar é aprender a “pensar sem corrimão”. Saber orientar-se na realidade, conhecer a si mesmo e seu papel no mundo. Essas coisas definitivamente exigem muito mais do que a leitura de livros. É um trabalho para a vida toda, até o epitáfio.
Referências
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é esclarecimento? E outros textos. São Paulo: Penguin-Companhia das Letras, 2022.

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