Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (2007)

Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (2007), dirigido por Yves Simoneau e inspirado na obra homônima de Dee Brown (1908-2002), não é apenas um filme; é uma experiência de profundo desconforto. É tão difícil colocar em palavras a amálgama de sentimentos por vezes angustiantes que senti assistindo ao filme, que me pergunto o quê experimentaria lendo o romance de Brown.

A Inevitabilidade da Tragédia Sioux

O drama histórico narra os trágicos eventos da expansão dos Estados Unidos para o Oeste no final do século XIX, focando especificamente na tribo Sioux e no consequente extermínio cultural e físico das nações indígenas. A força narrativa reside na forma como o filme articula o conflito mediante três perspectivas centrais:

  • Charles Eastman: Um jovem médico Sioux de origem mista, educado em instituições brancas e que se tornou um símbolo do sucesso da aculturação. Ele representa o dilema da assimilação.
  • Touro Sentado: O lendário chefe e guerreiro Sioux que se recusa veementemente a se submeter às políticas do governo dos EUA, lutando para manter a identidade, dignidade e, principalmente, as Terras Sagradas de Black Hills. Ele é o símbolo da resistência inquebrantável.
  • Henry L. Dawes: Senador e arquiteto de uma política governamental, o Dawes Act, que visava dividir as terras tribais em lotes individuais, forçando os nativos à agricultura de subsistência e facilitando a apropriação de vastas áreas pelo governo.

O drama acompanha a transição forçada da vida tradicional Sioux para o confinamento nas reservas, os acordos violados pelo governo americano e o crescente desespero do povo nativo. O clímax se dirige ao infame Massacre de Wounded Knee em 1890, um evento que simboliza o fim da resistência aberta e a subjugação final dos Sioux, expondo o alto custo humano e moral dos chamados “processos civilizatórios” e da expansão territorial.

Civilização ou barbárie?

Com o drama historicamente montado, o que se segue ao longo do filme é um clima tenso e angustiante — uma sensação já entregue pelo título do romance de Dee Brown. É tentador adotar a postura maniqueísta de “brancos malvados contra nativos bonzinhos”. Todavia, como o filme mostra brilhantemente em suas cenas e atuações — principalmente a de August Schellenberg como Touro Sentado —, a verdadeira tragédia que foi a disparidade indefensável de forças em ação num processo de apagamento histórico de uma cultura inteira.

Do começo ao fim do filme, o telespectador se sente assistindo a uma marcha inevitável rumo ao massacre e à miséria cultural. Os esforços equivocados de figuras como Henry L. Dawes, que advoga uma lei de assimilação cultural que resolve a questão “pacificamente” a custo da total submissão dos Sioux, só intensificam a atmosfera de fatalismo. É igualmente doloroso acompanhar a jornada de Charles Eastman. Ele representa o homem entre dois mundos que, após aderir à cultura branca, é forçado a testemunhar, em primeira mão, o resultado brutal das políticas que, num primeiro momento, ele apoiava e esperava que salvassem seu povo.

A trama, como construída, nos faz questionar se o processo dito civilizatório nada mais é que a institucionalização da barbárie.

História e memória

Se a história do mundo não fosse tão perversa, seria maravilhoso viver.

— Hannah Arendt

Enterrem Meu Coração na Curva do Rio é brutal em não permitir que o espectador se afaste confortavelmente do processo civilizatório e da relação colonizador-colonizado. A obra exige uma confrontação direta com o legado sangrento da fundação dos Estados Unidos — um processo que não é exclusividade norte-americana, vide a história do Brasil e seus inúmeros episódios análogos ao massacre de Wounded Knee.

O filme é certamente muito triste, mas assim também o é a história. A tristeza é, por vezes, necessária para que se tenha a consciência suficiente para criar dias melhores. Por isso, se você, caro leitor, tiver a oportunidade de assistir ao filme (ou ler o livro), recomendo fortemente que o faça. É uma obra histórica essencial para exercitar uma capacidade que cada vez mais rara em nossos dias: a memória.


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